Menina do Los Hermanos

A música estava muito alta, mais um sertanejo universitário que se ouve uma vez e nunca mais esquece. Mas eu realmente não gosto de sertanejo.
Meus amigos ficaram pela música - ou pelas meninas - e eu preferi voltar pra mesa. Comecei a lembrar dos prazos e das petições que tinha que entregar na segunda, em como era mais cansativo que prazeroso aquilo tudo, na gravata do meu pai que eu estava usando... E então levantei a cabeça. Foi quando eu a vi.
De repente todos esses meus pensamentos sumiram porque eu estava olhando pra ela.

De pernas cruzadas e olhar distante. Num vestido preto que brilhava conforme a luz, o cabelo todo jogado dum lado e um prato de doces no colo.
Quando fui chegando perto da mesa, um casal de meia idade se levantara e o senhor tocou no meu ombro, sinalizando que o lugar que ele ocupava agora era meu. Foi quando percebi que era ao lado dela. Ainda comendo os doces, perdida em seus pensamentos.
Algumas mechas de seu cabelo dançavam conforme o vento. O mesmo que me premiava com o cheiro doce do seu perfume.
Eu continuei ali, quieto. E ela, sem notar a minha presença.

Numa sequência meio ilógica, começou a tocar Los Hermanos. Anna Júlia, claro.
E me veio a rápida lembrança de ter sido a primeira música deles que conheci, e curti. E que depois sonhei em ter uma das meninas cantada por eles. Aline, Melissa, ou mesmo a Anna Júlia. Namorei até com uma Aline, que era mesmo uma Bárbara. E então deixei isso de lado.
Ou fiquei mais velho.

Uma senhora que estava próximo a nós se dirigiu a ela e comentou
- Você gosta mesmo de chocolate, hein?!
Ela sorriu e disse:
- Oitava maravilha do mundo!
E a única coisa que eu conseguia pensar era em como aquele sorriso a deixava ainda mais bonita.
A senhora pareceu ter concordado com meus pensamentos e continuou:
- O que uma moça tão bonita faz aqui sentada numa festa boa como essa?
Ela simplesmente levantou o pratinho, junto com outro sorriso. E as duas riram.
A senhora reparou em mim e me fez a mesma pergunta. Mas sem nenhuma menção a minha beleza.
Eu apenas respondi que não era um bom dançarino.

Foi quando ela finalmente se virou pra mim. E nossos olhares se encontraram.
Desde então não preciso mais de senhoras pra ver aquele sorriso. Nem do vento ao meu favor pra sentir aquele cheiro.
Ela não é uma das meninas do Los Hermanos, é a minha.
E ninguém dirá que é tarde demais, que é tão diferente assim.